De como tudo já foi dito

Não apadrinho mais! Parei de acolher, apadrinhar, domesticar e tratar doentes. Antes de mais nada, como um doente pode apadrinhar outros? Além disso, cada enfermo com a sua doença, amém.

Disso, deixo o poeta falar por mim:

‘XXXII

Ontem à tarde um homem das cidades Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também. Falava da justiça e da luta para haver justiça E dos operários que sofrem, E do trabalho constante, e dos que têm fome, E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos E sorriu com agrado, julgando que eu sentia O ódio que ele sentia, e a compaixão Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo. Que me importam a mim os homens E o que sofrem ou supõem que sofrem? Sejam como eu — não sofrerão. Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros, Quer para fazer bem, quer para fazer mal. A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos. Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando Quando o amigo de gente falava (E isso me comoveu até às lágrimas), Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos A esse entardecer Não parecia os sinos duma capela pequenina A que fossem à missa as flores e os regatos E as almas simples como a minha.
(Louvado seja Deus que não sou bom, E tenho o egoísmo natural das flores E dos rios que seguem o seu caminho Preocupados sem o saber Só com florir e ir correndo. É essa a única missão no Mundo, Essa — existir claramente, E saber faze-lo sem pensar nisso.
E o homem calara-se, olhando o poente. Mas que tem com o poente quem odeia e ama?

Alberto Caeiro’

Isso que é foda. Quando você senta pra escrever algo e vê que um poeta, abençoado poeta, já disse o que vc ía dizer. E de uma forma muito mais sublime.

In summa… Não apadrinho mais.

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